Posted by : LKMazaki quarta-feira, 12 de março de 2014

Olá a todos! Cá estou novamente trazendo dessa vez um fanfiction de capítulo único, baseado nada menos do que em Puella Magi Madoka Magica. Our Gems foi escrito por mim ainda em 2011 (ano de exibição da série no Japão) mas acabou ficando esquecido até então.

Our Gems é como uma reflexão sobre a relação de Kyouko e Sayaka, através de vários dos loops temporais da história de Madoka Magica. Os acontecimentos são mostrados em ordem não-sequencial mas servem todos ao mesmo objetivo. Talvez essa história seja um tanto mais sombria do que costumo trazer ao KaS, mas sendo Madoka Magica não teria como ser diferente. Espero que apreciem a leitura.



Our Gems
Puella Magi Madoka Magica Fanfiction
por Lilian Kate Mazaki



A luz forte de um dia claro de sol atravessava os mosaicos antigos e quebrados que cobriam boa parte das paredes do templo a muito tempo abandonado. Apenas duas jovens garotas estavam ali conversando sobre suas vidas, seus motivos e suas histórias:
― Por que você quer me ajudar, afinal? Você não disse que vivia apenas para si mesma? ― questionou Miki Sayaka com tom de descrença naquela pessoa que estava logo à sua frente e acabara de abrir verdades que a própria jamais gostaria de lembrar.
― Talvez eu apenas sinta que devo fazer isto. Afinal você está cometendo os mesmos erros que eu cometi no passado. ― foi o que respondeu Sakura Kyouko, encarando sem hesitar os olhos da outra garota mágica.
― Tsc, papo furado.
― É como se. . . eu não tivesse escolha. ― completou a ruiva com palavras que pareceram a esta vir de algum lugar mais profundo do que seria capaz de lembrar-se.
― Hã? ― questionou Sayaka, com um estranho aperto no peito ao escutar o tom diferente de voz da outra.




****


A chuva era intensa e incessante. As ruas estavam vazias àquela hora da noite e poucos carros cruzavam pelas ruas a caminho de seus lares quentes e secos.
Kyouko estava paralisada por completo. Ainda que não fosse de seu feitio deixar-se surpreender por qualquer coisa que fosse, foi o subito calor de um abraço desesperado que tirou-lhe por completo a capacidade de reação. Os soluços secos da outra garota mágica conseguiam chegar aos seus ouvidos, ainda que o som da chuva fosse alto. A orfã podia sentir o corpo de Sayaka tremendo por completo enquanto segurava-se nela para não desabar:
― Por que isso está acontecendo, Kyouko? ― soluçou Sayaka ao ouvido da outra. As luzes dos carros não iluminavam seu olhar caído em trevas. ― É como se eu não pudesse furgir disso.
― S-Sayaka. . .
― Acho que você estava certa sobre usar a magia para os outros, não é mesmo? tudo o que eu sinto é desespero agora.
Sem perceber o que fazia, Kyouko deixou que suas mãos passassem pelos ombros de Sayaka:
― Mas, será que você não sente isso também? É como se tudo isso já estivesse determinado a acontecer assim. ― sussurrou a garota de cabelos azulados.
― Realmente. ― concordou a ruiva com um tom sombrio.
― Eu sinto que vou afundar e jamais retornar, Kyouko.
― Não seja idiota.
― Heh. Desculpe por incomodar tanto.
― Apenas fecha essa boca que fala tanta merda.
― Kyouko.
― Hm?
― Salve-me, por favor, eu não quero morrer assim.
― . . .


****


― Tsc! Então você quer que eu acredite que você já reviveu este mês por tantas vezes que mal consegue lembrar, tudo para salvar aquela cabeça oca da Madoka? ― questionou Kyouko, tirando um grande pedaço do seu takayaki.
― Exatamente. ― confirmou Akemi Homura, com sua voz sem emoção de sempre. As duas ficaram algum tempo em silêncio, apenas observando a movimentação na rua abaixo. Foi a ruiva que quebrou o silêncio:
― Você acha que eu sou idiota?
― A questão é que, a cada vez que eu retorno, as coisas não acontecem exatamente como na vez anterior. Parece que. . . as mágoas vão se tornando desespero, a incompreensão se torna ódio.
― Como se o mundo fosse se tornando um lugar mais sombrio? ― sugeriu Kyouko, que apesar de achar aquela conversa absurda, tinha algo dentro de si dizendo para continuar escutando atentamente.
― Mais especificamente as pessoas envolvidas nisto.
― Ah, então acho que isso me inclui de alguma forma. ― comentou a ruiva em tom de desdém, conseguindo arrancar uma expressão com toques de exasperação da Homura.
― Eu preciso de sua ajuda, Kyouko.
― Ajuda? E o que eu poderia fazer pela senhorita viajante do tempo? ― perguntou Kyouko surpresa.
― Miki Sayaka vai afundar em desespero e corromper por completo sua Soul Gem, morrendo para tornar-se uma bruxa.
― Hã?! Uma bruxa?! Você está dizendo que as Soul Gems viram Grief Seeds se forem corrompidas?!
― Por que será que é sempre tanta surpresa, não é mesmo? ― comentou mais consigo mesma Homura, do que com Kyouko. Havia um cansaço inesperado na sua voz que fez Kyouko parar e refletir um pouco antes de enxer esta com mais questionamentos.
― Isso. . . é mesmo verdade?
― Você pode sentir que é, não? ― desafiou Homura, encarando-a de canto e a ruiva desviou o olhar para a cidade lá embaixo novamente.
― Isso é tão surreal. ― seu coração batia apertado de uma maneira que parecia não querer lhe deixar dúvidas.
― Eu já me acostumei.
― Mas, porque quer minha ajuda nisto? Ora, o que te faz pensar que eu iria lutar ou qualquer coisa do tipo para evitar que a Sayaka venha a se tornar uma bruxa.
― Porque eu sei que você vai ajudar.
Kyouko ficou em silêncio chocado por alguns instantes, encarando a face sem expressão de Homura que agora se distraía observando o movimento dos carros. A ruiva se orgulhava demais do fato de não se importar com ninguém aĺém dela mesma e agora estava diante de alguém que já vivera aqueles dias por incontáveis vezes para lhe jogar na cara que ela se importava com a anta da Sayaka?! Jamais admitiria!
― Muito ingênua você, achar que vai me convencer com esse papinho.
― Eu não preciso, porque você sabe que é verdade. Miki Sayaka vem se tornando um problema cada vez maior no meu caminho, por isso estou dessa vez lhe dando a chance de saber que precisa fazer alguma coisa antes que seja tarde demais.
― Você acha que eu posso evitar que ela caia nas trevas?
― Eu não sei.
― Pra quem sabe tanto, faltam alguns conhecimentos básicos, não?
― Eu sei que você se preocupa tanto com ela como eu me preocupo com a Madoka. Na verdade. . . somos iguais.
― Mas que merda você está dizendo?!
― A única diferença realmente é que eu posso me lembrar do que já fiz.
― . . .
Homura encarou a expressão irritada e bochechas inxadas de raiva de Kyouko se controlando por um momento pra não achar esse momento divertido:
― Você é só uma lésbica doente.
― Nossa, eu acabei de dizer que somos iguais.
― Foda-se, Homura! ― xingou a ruiva desencostando-se do parapeito e fazendo o caminho em direção da entrada que levava de volta ao interior do edifício. Bufava tanto que quase podia soltar uma nuvem de vapor.
Homura ainda esperou que a outra falasse alguma coisa, mas ela parecia determinada a ir embora sem mais nenhuma palavra, o que fez a outra acabar por falar antes que a porta fosse batida:
― Ela é só minha amiga, ok? ― tendo apenas o som do metal da porta como resposta, mas ainda assim permitiu-se um raro e pequeno sorriso. Kyouko era uma boa pessoa afinal.


****




― Realmente é uma surpresa e tanto te ver por aqui. ― disse Tomoe Mami com um sorriso amargurado que Kyouko sabia que estaria a sua espera no dia em que retornasse àquela cidade.
― A quantidade de de bruxas e familiares aqui nessa cidade está crescendo de uma maneira estranha, então acho que não teremos problemas uma com a outra, não é?
― Quem é essa daí, Mami-san? ― perguntou a outra garota mágica que acompanhava a veterana.
― Ah, sim. Deixe-me apresentá-la antes de irmos ao encontro de Kaname-san e Akemi-san, Miki-san.
― Agora você está criando aprendizes de garotas mágicas para ser a grande Senpai-san, Mami? — provocou Kyouko.
― Tsc. Miki Sayaka, essa mal-educada é Sakura Kyouko, uma garota mágica que normalmente cuida da cidade vizinha a esta, mas que por algum motivo resolveu vir nos atralhar.
― Ah. . .― Sayaka ficou sem saber o que dizer diante da hostilidade das duas garotas mágicas à sua frente. Kyouko desviou o olhar de Mami e observou-a por um momento.
― Espero que saiba que enfrentar as bruxas não é trabalho para garotinhas mimadas ou que desejam coisas idiotas como o bem estar do garoto pelo qual são secretamente apaixonadas. ― alertou a ruiva, despertando uma revolta incontrolável em Sayaka, ainda que ela não pudesse imaginar o porquê.
― Ora sua...!
― Miki-san! V-Vamos embora, não precisa dar ouvidos a ela. ― disse Mami segurando os ombros da garota que já queria partir para atacar Kyouko. Esta ficou apenas levemente interrogativa sobre o que poderia ter dito que havia enfurecido tanto a adolescente. A não ser que. . .


****


― Kyouko. ― chamou Sayaka com a voz entrecortada e fraca, estendendo a mão para frente, ainda que não tivesse certeza de onde poderia estar a outra. Tateou algum tempo até que, por algum milagre, encontrou uma mão fortemente fechada pelo que parecia um cabo metálico. "A lança" pensou a garota mágica que lutava manter os sentidos. ― Kyouko!
― Urgh. . . Ainda viva, praga? ― perguntou a ruiva pelo canto da boca que não estava enterrado na lama.
― Não por muito tempo. . . realmente. ― confessou Sayaka, sentindo dores por todo o corpo. Sabia que eram causadas pelos danos físicos que haviam sido infringidos à sua jóia da alma. Provável que esta fosse se quebrar como uma pedrinha velha antes que pudesse se corromper por completo, o que talvez também nem demorasse.
― Então porque não me deixa morrer em paz também? ― questionou Kyouko erguendo alguns centímetros o rosto, ainda que cada parte do seu corpo parecesse pesar toneladas. A sua visão estava embaçada, mas podia distinguir os céus cinzentos e alguma forma de luz vindo de muitos metros à frente. Pelo visto Sayaka estava em uma posição que ela jamais poderia ver, já que era impossível naquele momento o simples gesto de girar o rosto.
― Eu só. . . queria sentir que não estou sozinha, antes de tudo acabar.
Kyouko não conseguiu encontrar palavras diante dessa frase. Mas sua mente ressoou com verdades que ela jamais poderia pensar que existiam dentro de si.
"Solidão. No fim tudo era apenas a solidão, não é mesmo? Eu e você. . . tão diferentes e ao mesmo tempo iguais. Apenas garotinhas com medo de ficar sozinhas de verdade, não é isso, Sayaka?"
"Está me deixando com vergonha"
A ruiva deu uma dolorosa risada monossilábica. Telepatia, inconveniente e sempre presente telepatia. Já estava mesmo tão cansada que esquecera disso. Mas também não importava mais àquela altura dos acontecimentos. Largou o cabo de lança, que agora era já inútil e segurou a mão que estava pousada sobre a sua. Sentiu o leve calor do aperto que recebeu de volta:
― Eu vou estar contigo até o fim, não precisa se preocupar.
― Ó, meu príncipe. . .
Ambas esboçaram um sorriso, deixando-se levar pelo contínuo silêncio até que este foi quebrado . Um grito de desespero enxeu todo o ar,e Sayaka acreditou que tudo pareceu mais escuro graças a esse som, ainda que não fosse mais capaz de abrir os olhos.
"Homura" pensou a jovem de cabelos curtos.
"Pelo visto ela vai voltar no tempo mais uma vez" comentou Kyouko que pode perceber quando a luz que via se apagava por completo e entendia que era a força de Madoka que estava se extinguindo antes de corromper-se por completo ao derrotar a Noite de Wallpurgis.
"Então aquela teoria maluca era verdade?" questionou Sayaka tentando concentrar-se nas palavras, pois a dor estava começando a ser insuportável.
"Nunca duvidei" eram realmente os olhos de Kyouko que estava começando a perder a capacidade de ver cores, não eram?
"E o que vai acontecer conosco?"
"Vamos apenas morrer, Sayaka" sentenciou a ruiva achando toda aquela conversa muito cansativa para o momento. Talvez apenas dormir fosse o bastante.
"Nunca me deixe" foi a última coisa que Sayaka conseguiu pensar claramente, contentando-se depois em apenas suportar agonia que sabia ser de sua alma literalmente rachando e partindo-se em mil pedaços inúteis.
"Você é quem está me envergonhando" respondeu Kyouko, fechando os olhos pela última vez, naquela vida, seus olhos outrora cheios de vida e paixão.


****


A barreira desapareceu, deixando apenas o cenário de um jardim devastado. O céu começava a dar sinais de fim da madrugada, pois um azul começava a invadir o leste sem pressa. Sakura Kyouko mal reparou quando a sua gola foi solta e seus joelhos bateram no chão duro de terra. Podia ver mais à frente a figura de Madoka, também ajoelhada, chorando compulsivamente diante de um corpo imóvel. Em meio às lágrimas as suas vestes de garota mágica desapareceram para deixar o uniforme escolar no lugar. Parecia realmente inconsolável e a ruiva não a culpava, afinal era alguém muito importante. . . para as duas:
― Desculpe dizer isso, mas você já se saiu melhor sem eu te contar nada. ― disse Akemi Homura, que estava em pé ao lado de Kyouko, com uma expressão que, ainda que fria, deixava revelar uma boa dose de frustração.
― Me desculpe por não ser tão talentosa, Akemi-san. ― ironizou Kyouko, surpreendendo a si mesma com a alta capacidade de zombar quando seu coração mais queria urrar de dor.
― Tsc. Desculpe.
― Não foi nada. ― respondeu a ruiva e as duas fizeram silêncio por um tempo, observando a dor que Madoka expressava ao abraçar o corpo sem vida de Miki Sayaka.
― Você sequer lutou. ― reclamou Homura, entredentes.
― Isso realmente teria evitado que sua preciosa Madoka se tornasse uma garota mágica?
― . . .
― Só agora eu entendo. Chega a ser engraçado, como se eu tivesse esperado por anos sem fim para chegar a essa resposta.
― O que?
― Meu lugar é ao lado dela.
― Tsc. ― sem dizer mais nenhuma palavra, Homura virou-se de costas e começou a se afastar da cena. A verdade é que não havia tempo a ser perdido, pois a Noite de Wallpurgis estava próxima e a garota sequer sabia se valeria a pena lutar, já que havia falhado em proteger Madoka de tornar-se uma garota mágica.
― Da próxima vez. ― começou Kyouko, ignorando a atitude fria da outra. ― Me permita sacrificar a minha vida para ficar ao lado dela, Homura.
― O-O que?! ― engasgou Homura, virando-se para encarar a ruiva que ainda permanecia de joelhos, apenas observando o choro de Madoka.
― Eu não vou deixar que ela fique sozinha novamente.
― Não vai haver uma próxima vez.
― Claro que vai. Haverão infinitas "próximas vezes" até você entender como as coisas funcionam. Ou até se arrebentar.
― Foda-se, Kyouko.




****




Kyouko deixava seu olhar vagar pelo jardim abandonado e morto e pelas paredes sujas do grande templo que outrora fora de seu pai. Tentava escapar dos sentimentos do passado, concentrando-se no presente, mas isso não era confortador o bastante. Desviou os olhos para o céu que estava rubro. Ela poderia pensar que era uma homenagem, mas sabia que era apenas o final de tarde que tingia as núvens de dourado e todo o céu de um vermelho vibrante.
Estava esperando e sabia que não seria por muito tempo. Seu coração pulava ao se questionar o que afinal poderia fazer para escapar daquele ciclo infinito de fracasso e morte.
Riu. Não era ela quem precisava se preocupar com isso, ora. Era Homura que começara aquele labirinto e só restava a todas esperar que ela conseguisse chegar a uma solução, para assim poderem continuar suas vidas (ou mortes) em paz.
Um galho foi partido por um passo pesado e arrastado logo atrás de Kyouko e esta se levantou. Havia chegado realmente cedo:
― Você estava realmente aqui, hã. ― cumprimentou ofegante Miki Sayaka, segurando a lateral do corpo como se tivesse algumas costelas quebradas, apesar de seu corpo possuir uma incrível capacidade de recuperação que lhe fazia não poder estar machucada.
― Parece que você andou lutando bastante, Sayaka. ― respondeu Kyouko, virando-se para ver a expressão pálida e olhos profundos da outra garota mágica. ― Será que você nunca vai entender que precisamos das bruxas para que tenhamos sementes o bastante para purificar nossas jóias?
― Sementes ne. Eu realmente não estou muito afim de sementes. ― respondeu Sayaka, recostando-se em uma árvore logo ao lado de onde estava a outra, encarando-a com certa dificuldade.
― Do que está falando, Sayaka? ― a preocupação estava crescendo rapidamente dentro do peito da ruiva.
― Eu não sei. Apenas sinto um certo nojo de pensar nisto. ― comentou Sayaka e Kyouko pensou apenas para si que se a outra soubesse que na verdade as Grief Seeds eram os restos apodrecidos de almas de garotas mágicas que elas usavam para transmitir todas as suas impurezas para quem já estava completamente corrompido, ela sentiria com certeza bem mais aversão ao objeto.
Ou será que instintivamente ela sabia disso?
― Apesar de você falar muita bobagem, eu vou te emprestar alguma semente, afinal tá mais do que na cara de que você está perto do limite.
― Eu não preciso que me empreste. ― disse Sayaka, tirando uma Semente de Rancor do bolso da saia e erguendo-a na altura dos próprios olhos. ― Na verdade eu vim aqui para te dar esta, já que não preciso de algo assim.
― Mas o que...
― Vamos, não seja tímida, eu sei que você faz qualquer coisa para ter mais alguma destas, não é? ― disse a jovem de cabelos azulados com um tom de superioridade, jogando a semente direto nos braços de Kyouko, que a aparou.
― Você enlouqueceu. . .
― O que? Vai querer me obrigar a usar esses seus métodos?
― Métodos?! Você vai morrer se não usar isso!
― EU VOU MORRER, NÃO IMPORTA O QUE EU FAÇA!! ― berrou Sayaka, curvando o corpo como se precisasse de toda a força que existia dentro de si para isto. ― Eu vejo isso todas as vezes que estou dormindo! Morte, morte! Todos os tipos possíveis de morte! É como se não existisse nada mais do que a morte diante de mim!
Kyouko não conseguiu ter nenhuma reação diante disto. Homura ignorava isto, mas suas voltas incontáveis estavam deixando marcas e traumas cada vez mais profundos nas almas de todas as pessoas ao redor dela e de Madoka. Somente naquele momento que a ruiva parou para pensar que Sayaka já devia ter sofrido e perecido pelo seu pedido idiota em relação a Kyousuke por tantas vezes que isso já estava começando a interferir muito no presente.
Cada vez mais densos e escuros. Os sentimentos de dor e fracasso juntando-se em uma quantidade que tornava qualquer pequeno ato a possibilidade de explodir com tudo.
― S-Sayaka. . . ― disse Kyouko com a voz ainda fraca diante das palavras da outra. Porém não teve um segundo sequer para continuar pensando sobre tudo o que agora sabia, pois só viu um brilho e transformou-se bem a tempo de deter a lâmina que cortou o ar com toda a intensão de arrancar-lhe a cabeça.
Estava no chão e Sayaka estava sobre si, transformada em garota mágica, empurrando com as duas mãos a espada para baixo, enquanto a ruiva apoiava o cabo a lança com as mãos sem precisar assim de tanto esforço, detendo a tentativa deliberada de assassinato. Os olhos de Sayaka tinham um brilho vermelho completamente irracional e sua respiração ofegante era ruidosa:
― Chega! Sayaka! ― pediu Kyouko ainda segurando o peso do ataque, com o coração aos saltos. Mesmo para ela era perturbador ver todo aquele rancor no brilho vermelho dos olhos outrora azuis. "Rancor". . . seria engraçado se não fosse trágico.
― Eu não posso te perdoar, Kyouko!! ― berrou Sayaka, desviando completamente a atenção da outra que estava tentando encontrar um meio de deixar uma das mãos livres para usar a semente na jóia que estava colada ao umbigo da primeira.
― O-O que?!
― Eu. . . por que eu não posso ser salva, Kyouko?! ― a ruiva não entendia o motivo, mas aquelas palavras fizeram lágrimas saírem de seus olhos antes que percebesse.
― S-Sayaka. . . ― percebendo como a pressão do ataque da outra era fraco, Kyouko soltou uma das mãos e encostou a Semente de Rancor no umbigo de Sayaka, que prendeu o ar ao perceber o fluxo de energia negativa sendo retirada de si. Demorou ainda alguns segundos, mas a jovem de cabelos curtos deixou a espada cair debilmente para a direita, fintando com um misto de agradecimento e ressentimento os olhos castanhos de Kyouko.
A ruiva deixou que a Semente absorvesse o máximo de energia negativa que pudesse e jogou-a longe. Desviou os olhos para ver a cor da pedra safira. Estava bem mais clara, apesar de uma névoa ainda flutuar no seu interior. Catou no bolso da roupa de garota mágica pela outra semente que tinha de reserva, mas a mão esquerda de Sayaka segurou seu pulso quando fez menção de levar o objeto à Jóia da Alma desta:
― É um disperdício. Basta um minuto para que fique negra novamente. ― disse Sayaka, com a voz cansada, ainda que ofegasse menos do que antes. ― Talvez seja mais uma questão de tempo do que de qualquer outra coisa, vai saber. . .
― Me. . . Me desculpe. ― pediu Kyouko, com mais lágrimas correndo pelo rosto. ― Eu sou apenas. . . uma pecadora, não posso salvar uma alma.
― Talvez então. . . ― começou Sayaka, apoiando as mãos ao lado do corpo da ruiva, afinal ainda estava predendo-a com seu peso. Sua expressão era de quem conseguia ver a morte logo à frente, chegando a uma velocidade que não poderia ser diminuída. ― Talvez pecadores devessem ficar juntos no final, assim não se sentiriam sozinhos, não é.
― Sa-. . . ― começou Kyouko, mas antes que percebesse seu lábios foram selados pelos da outra garota mágica, em um gesto que dizia com todas as letras "Adeus".
E então foi uma explosão, talvez uma tentativa inútil de resistir e, por fim, somente o grito de uma alma sendo levada para o destino eterno de viver da dor e sofrimento.




****


Ainda era um dia de céu azul e sol estonteante, talvez o dia mais belo que haveria em todo aquele mês. Era como um convite que a vida fazia a se olhar mais uma vez a natureza antes que as chuvas chegassem e tomassem conta de vez da paisagem. As paredes antigas do templo religioso estavam coloridas pelos reflexos que a luz fazia as partes lascadas e quebradas dos vitrais que ainda persistiam aos anos de abandono.
Ali sobre o grande altar que havia no norte da construção uma das garotas presente deu as costas para a outra, como um tom de descrença em alguma coisa dita:
― Acha mesmo que eu vou acreditar que uma criatura como você é capaz de se importar com alguém? ― riu-se Sayaka, com as mãos à cintura, com uma expressão de desafio no rosto.
Kyouko encarou-a em silêncio por um momento. Era realmente uma ingênua e infantil garotinha apaixonada que acreditava no poder da justiça. Sem entender o porque, sentiu um impulso tremendo de sacudí-la para que acordasse daquele devaneio de infância que parecia ter permanentemente sobre o rosto. Apenas uma distração, com certeza:
― Nem eu conseguiria acreditar nisso. ― confessou por fim.

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